12 de jan. de 2011

Erotismo, pornografia, obscenidade e feminismo

Avisamos que é preciso que você leitora Maçã Podre se prepare psicologicamente para o que irá se dispor a assistir ao clicar na imagem do Pornoterrorismo, o que verá será de sua inteira responsabilidade, pois ela a levará diretamente para um dos polêmicos vídeos performances das pornôterroristas. Entretanto, é nossa função dizer que se o corpo está "coisificado" nas apresentações pornoterroristas é por causa  do patriarcado coisificar todos os corpos. No que poderão ver, mesmo havendo uma profissionalização d@s artistas, não há prostituição instituída, como na pornografia, e não há  produção massificada da manifestação sexual, o que conceitualmente define a indústria pornográfica. E o mais importante é que as interventoras/es se apresentam como elaboradoras/es e sujeitos de sua atuação e não objetos de simples manipulação passiva dos desejos sexuais de outros (regra estética básica para a definição de arte feminista). Concordem ou não, existir lá um discurso conceitual e teórico contra a opressão sexual de cunho insurrecional. Se é ou não uma arte libertadora, deixamos pra que outras feministas decidam. Assistam:
(obs: Pelos mesmo motivos do primeiro estudo sobre pornografia, só deverão ler a conclusão as pessoas que forem maiores de 18 anos ou feministas, pois algumas imagens mostradas a seguir são explícitas.)
O manifesto feminista do Pornoterrorismo

Pornoterrorismo
Temos sérias dúvidas sobre como nos posicionarmos diante desta manifestação,  por isso não ficaremos aqui elaborando posicionamentos sobre sua qualidade artística, se somos favoráveis ou não. Não definimos ainda nossa opinião tamanha hibridez e força no discurso.
Para a conclusão,  vamos apenas apresentar o fato óbvio e deixar que cada leitora maçã podre defina a sua opinião estética e feminista sobre o Pornoterrorismo, sem oposição. Só não podemos negar que a maneira com a performance é apresentada é obscena, o que nos leva as seguintes perguntas: existe um limite que diferencia arte “obscena” de pornografia, será que o feminismo radical se coloca no campo moralista quando deflagra uma luta contra a pornografia?

Antipornografia é um moralismo?
Para que as nuancias da explicação que se seguirá sejam assimiladas, basta que a leitora imagine a pornografia industrial como "um relógio" que marca "as horas sexuais", assim fica mais fácil de entender os diferentes discurso ideológicos contra ou a favor da pornografia.
O “liberalismo pós-feminista” defende a “desconstrução” do relógio/pornografia e uma reforma nas estruturas da fábrica que o produz. O objetivo é criar modelos femininos do produto e colocar mulheres nos cargos de supervisão/chefia da linha de produção. Consta no discurso liberal pós-feminista que no relógio/pornografia se pode ver as horas/sexo o que garante a liberdade (sexual).
 O feminismo radical luta para destruir o relógio/pornografia e também sua fábrica. O objetivo é que mostrar que as horas/sexualidade são uma invenção humana, pois não passam de uma mecanização do tempo/sexo. O discurso feminista radical avalia que se utilizarmos as mesmas peças para reconstruir "novos relógios", não mudaremos a mecânica de seu funcionamento.
O centro das divergências está na "desconstrução" ou na destruição do(s) relógio(s). Eis a diferença filosófica entre moral e ética.
Toda e qualquer visão que aproxime o feminismo radical do discurso moralista é uma visão limitada e reducionista da questão, quando não mal-intencionada. Desta maneira, diferente dos religiosos, as feministas radicais não pretendem "censurar a liberdade sexual", mas destruir com a matéria que constrói a  pornografia. . Nosso ataque é ao patriarcado e sua produção. Quando a luta do feminismo radical se direciona a pornografia é por esta ser uma expressão da sexualidade reprimida, das relações desiguais de classe econômica e de genêro, todas existentes no patriarcado. A ponografia não é a causa, mas a consequência desta construção. Ou seja:
...para as feministas radicais a questão não é moral, o cerne é ético e revolucionário.
A pornografia existe e foi originalmente produzida para (os homens) aliviar as pressões sexuais impostas dentro do machismo. É um alivio artificial que visa conservar as representações, identidades e relações estruturais de gênero, reprimidas pela moral machista. Enquanto liberarais desejam lucar com a sexualidade padronizada, desde que seja exercitada de modo privado e coisificado, o feminismo radical visa mudar o modo que os olhos humanos entendem a sexualidade, destruindo-a e ao padrão imposto e massificado das normatividades sexuais, para possibilitar a construição de outra realidade sexual, individual e coletiva, livre de determinações de gênero. Eis o motivo de nosso ataque as infra-estruturas e superestruturas do capitalismo.
O maior problema no momento é que com a onda "pós-feminista", colocou na cabeça das mulheres liberais um permissivismo com a exploração sexual dos corpos/pornografia, resíduo do neoliberalismo econômico. E muitas vezes, o fato também ocorre por pura confusão e equívoco histórico de quem associou a liberdade sexual com o fim da censura militar.

Para que seja possível identificar diferenciações entre erotismo e pornografia vejam este vídeo-teste abaixo. Assim que assitirem o vídeo, seria interessante que as leitoras, que não leram a primeira série de estudos sobre a pornografia, classificassem as imagens vistas como pornográficas, eróticas ou obscenas, antes de continuarem a leitura.


Diferenças entre obscenidade, erotismo e pornografia
Buscamos apresentar explicações bem consensuais entre os três termos “obsceno” (contrário à decência moral ou ao pudor), “erotismo” (relativo ao amor, que desperta desejo físico) e “pornografia” (escritos que dizem respeito a prostituição ou representação de práticas sexuais produzidas industrialmente) para elucubramos nossas colocações.
Em primeiro lugar, em sua forma moderna, como fenômeno de massa, o erotismo relaciona-se com o surgimento da imprensa, onde o sexo possuía toques platônicos. Existem vários livros que aprofundam seus aspectos artísticos e culturais, o que colocaremos em questão é que o erotismo normalmente representa o limite socialmente permitido para expor as representações sexuais ou exposições do corpo.
Na figura da mulher o erotismo comumente expõem as genitais. Na figura masculina a proibição erótica é maior. No erotismo, como imagem, os corpos masculinos, em especial, e femininos menos, tendem normalmente a serem apresentados de modo coisficado e em fragmentados. A bunda dele, o tórax dele, elas em posições púdicas e etc. O mais importante é que existe uma busca homérica para reproduzir nas imagens "eróticas" os padrões de beleza vigentes, como por exemplo a Vénus adormecida (1510) de Giorgione. Na época da pintura exemplificada, os padrões de beleza estética feminina definiam como belas as "gordurinhas localizadas".
Em segundo lugar, a pornografia representa um desenvolvimento da publicação da imagem erótica. O que antes era simulado ou coberto passa a ser exposto. Criam-se os operários do sexo, a mão de obra explorada, e o corpo da mulher passa a ser um mero veículo para a comunicação de classe sexual dos machos. 
 Com a massificação do sexo explícito, imagens que antes eram consideradas pornográficas passam definidas como “éroticas” por erro histórico, como é possível avaliar no vídeo-teste acima (lá todas as imagens datam de 1860 a 1900, e segundo os registros, as "modelos" eram comumente prostitutas).  Compreender que na pornografia, em geral, a mulher é apenas um veículo com o qual os homens intermediam suas relações de poder e prazer, é reconhecer o que Marx definiria como a mulher fazendo a função de moeda de troca entre os homens.  Esta afirmação é possível de ser observada no "controvertido" The Kiss (1900), considerado "o primeiro filme pornográfico público" de sua época.
Terceiro, o que é determinado como obsceno não necessariamente se define pela nudez ou exposição do corpo. Qualquer coisa que deva ser colocada fora de cena, “não deva ser dita ou mostrada” é considerada obscenidade. Um exemplo eram peças teatrais que continham palavrões contra a fé e a religião. Outro, são os textos de Nelson Rodrigues que atacava as normas morais da família brasileira.
Uma boa medida
...para que se venha a identificar subjetivamente a diferença do que é obsceno para o que é erótico ou/e pornográfico é o modo que tais exprssões são ou foram produzidas, vendidas e divulgadas.Ou como elas podem chocar a "opinião liberal".
Mas se existe no material uma exploração da "mão de obra sexual" é pornografia. Se uma imagem visa ser vendida e coisifica o corpo humano através de padrões de beleza, mesmo que não exponha as genitais ou mostre sexo explícito (o que define o "erótico"), é uma exploração sexual sim, pois se apropria do corpo do outro e cria uma ideologia que conserva os valores morais e padrões de beleza vigentes.
Podemos dizer então que a diferença entre a pornografia e o erotismo é que a primeira é uma grande indústria sexual e a segunda é uma exploração sexual "pequeno burguesa".
Agora se uma mídia de dois casais transando (por vontade e conhecimento de todos), seja qualquer orientação,  é divulgada a público por estes num site/mídia, sem associação comercial, só podemos definí-la como obscena. O que necessariamente não exclui a possível existência de um conteúdo machista dentro do material.  

Texto: Ana Clara Marques e Patrick Monteiro
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1000 NUDEZ- A history of erotic phography from 1839-1939; Uwe Scheid Collection,
O que é amor, erotismo e pornografia; Betty Milan, Lúcia C. Branco, Eliane Moraes e Sandra Lapeiz
E as demais fontes citadas nas séries de pornografia.

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